Após o bom desempenho do economista de direita radical Javier Milei nas eleições primárias, o Banco Central da Argentina (BCRA) anunciou uma desvalorização de 18% do peso, sua moeda oficial, o que provocou uma alta de 22% na cotação do dólar “oficial”. Mas, com intuito de entender relação do argentino com a moeda americana é preciso conhecer alguns detalhes. Um deles são os seis tipos de dólares que operam na economia dos nossos vizinhos.
INFLAÇÃO DOLARIZOU ECONOMIA ARGENTINA
Mais esta desvalorização do peso é um golpe significativo para um país que já enfrenta uma das maiores taxas de inflação do mundo, excedendo 115% ao ano. O Banco Central da República Argentina (BCRA), ao anunciar essa medida, também elevou a taxa de juros para 118%, levando a cotação oficial do dólar a atingir 350 pesos no mercado “oficial”. Essa abrupta desvalorização tem como objetivo aproximar o câmbio governamental dos diversos tipos de dólares utilizados no país, principalmente o dólar blue, que é a principal referência para os argentinos.
Posteriormente às primárias, na segunda-feira (14/08), o dólar de mercado, que já havia registrado um aumento de cerca de 20%, subindo de 500 para mais de 600 pesos nas duas semanas anteriores às primárias, também experimentou outro salto repentino, ultrapassando 10%, e alcançando mais de 680 pesos.
A maioria dos economistas atribui essa escalada à incerteza financeira resultante da surpreendente vantagem eleitoral de Milei, um candidato autoproclamado defensor do livre mercado. Caso vença as eleições marcadas para 22 de outubro, Milei promete dolarizar a economia e encerrar as atividades do banco central.
PRESSÃO DO FMI
Uma das demandas do Fundo Monetário Internacional (FMI), principal credor do país, é a redução da disparidade entre o valor do dólar oficial e as várias formas de dólar utilizadas no mercado financeiro. A Argentina possui uma dívida de aproximadamente US$ 44 bilhões com o FMI, um compromisso assumido durante o governo de Mauricio Macri.
Essa medida busca conter a saída de dólares que tem pressionado as reservas do BCRA ao limite. Mas qual é a razão para a diversidade de tipos de dólares na Argentina? Vamos entender os motivos e as distinções entre eles a seguir.
OS “CEPOS” TENTAM CONTER FUGA DOS DÓLARES DO PAÍS
Há décadas, a Argentina enfrenta um desafio crônico de alta inflação, que em parte deriva da prática dos governos de imprimir dinheiro para financiar despesas públicas elevadas. Esse padrão, como vemos atualmente, resulta na desvalorização frequente do peso. Consequentemente, os argentinos adotam o dólar como um referencial de preços e uma opção de reserva monetária.
A indústria nacional também é profundamente dependente de insumos importados. No entanto, a crescente demanda por dólares em um país que não os produz de maneira significativa tem levado repetidamente ao que é tecnicamente conhecido como “restrição externa”. Em resumo, os dólares disponíveis são insuficientes, o que gera crises reincidentes.
Para conter a saída de divisas e manter as reservas do Banco Central intactas, os diversos governos que estiveram no poder nas últimas duas décadas, tanto os da vertente kirchnerista quanto os do macrismo, implementaram restrições à aquisição de moedas estrangeiras, denominadas localmente como “cepos”. Esses controles de capital resultaram em um fenômeno peculiar: a coexistência de uma série de valores diferentes para o dólar na Argentina. Em alguns casos, as cotações podem variar em mais de 100%.
OS SEIS TIPOS DE DÓLARES DA ARGENTINA:
1. O Dólar Poupança:
O Dólar Poupança é a cotação à qual os poupadores argentinos têm acesso em relação ao dólar oficial. Embora o BCRA estabeleça um valor para o dólar, pessoas comuns não podem adquirir a moeda norte-americana a esse preço. Para efetuar a compra, elas precisam pagar uma sobretaxa de 75% e só podem adquirir até US$ 200 por mês, desde que cumpram diversos requisitos que somente uma minoria pequena da população consegue atender. Por essa razão, muitos poupadores argentinos recorrem ao mercado ilegal para adquirir a moeda.
2. O Dólar ‘Blue’:
O Dólar ‘Blue’ é a designação dada ao dólar adquirido fora dos canais oficiais. Entretanto, esse é o meio mais comum para a maioria dos argentinos acessar a moeda americana, ultrapassando os limites impostos pelo governo. Usa-se o dólar ‘blue’ como referência primária para a cotação do dólar, uma vez que seu valor é determinado pela oferta e demanda. Essa cotação é usada para transações envolvendo bens de grande valor, como imóveis, carros, eletrônicos e mais. Devido a sua natureza de mercado, dos seis tipos de dólares, esse é o notavelmente mais volátil, e frequentemente pode experimentar aumentos abruptos, tanto antes quanto depois de eventos eleitorais. Eventualmente, quando o dólar ‘blue’ sobe rapidamente, seu preço pode superar em mais de 100% o valor praticado no mercado oficial. Esse fenômeno é conhecido como “brecha cambial” e, quanto maior ela fica, maior é a pressão pela desvalorização do peso.
3. O Dólar Cartão:
Pessoas que utilizam o cartão de crédito para efetuar pagamentos em dólares, como assinaturas de serviços como Netflix e Amazon, ou despesas menores no exterior, também enfrentam uma cotação específica. Essa cotação é equivalente à do Dólar Poupança, porém com um adicional de 75% de encargos. Esse sistema é aplicável apenas quando os gastos não ultrapassam US$ 300.
4. O Dólar Turista ou Dólar Catar:
Quando um argentino viaja para fora do país e gasta mais de US$ 300, a alíquota de imposto aumenta para 100%. Essa política, anunciada pouco antes da Copa do Mundo de 2022 — que, por sinal, a Argentina ganhou — recebeu o apelido de dólar ‘Catar’, fazendo referência ao país-sede do torneio.
5. O Dólar Bolsa:
Aqueles que preferem não adquirir dólares fora do sistema financeiro formal têm uma alternativa: o “mercado de pagamentos eletrônicos” (MEP). Esse é um método legal de obtenção de moeda estrangeira, que funciona por meio da compra e venda de títulos financeiros e ações, intermediado por corretoras de valores. Devido a essa característica, chamam-no informalmente de “dólar bolsa”. O processo opera da seguinte forma: aquisição de títulos cotados em peso argentino e dólar americano, compra em moeda local e venda no exterior. Entretanto, a moeda final no final do processo está sujeita a regulamentações locais.
6. O Dólar CCL:
O Dólar CCL, ou “contado com liquidação,” é uma outra ferramenta financeira que permite a troca de pesos por dólares no exterior. Muitas empresas e investidores veem essa como a principal maneira de adquirir moeda estrangeira e transferi-la legalmente para fora do país. Por essa razão, aponta-se frequentemente o CCL e o dólar bolsa como os indicadores mais precisos do valor “real” do dólar dentro do contexto argentino. A obtenção do CCL requer a posse de uma conta no exterior, o que torna essa modalidade inacessível para os poupadores argentinos comuns.
Além disso, o Dólar CCL utiliza ações ou títulos listados tanto na Argentina quanto em mercados internacionais, como Wall Street nos EUA. Semelhante ao dólar bolsa, a aquisição desses ativos ocorre em pesos argentinos e posteriormente transferem-se para uma conta no exterior onde vendem-se por dólares americanos. A cotação é determinada com base na quantidade de dólares que podem ser adquiridos com uma determinada quantia de pesos. Essas operações têm sido amplamente usadas para transferir dólares para o exterior quando empresas e bancos são proibidos ou limitados em relação ao envio de dividendos para suas controladoras situadas fora da Argentina.
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